Pesquisa Etnográfica

 
 

Observação Etinográfica

Há 30 quilômetros da capital paulista está a cidade de Embu das Artes, sua feira de artesanato, com 52 anos de história. A feira acontece aos sábados, domingos e feriados, das 10:00h às 17:30h, no compacto Centro Histórico. 

O Largo 21 de Abril é o coração da feira de artesanato que é montada a céu aberto. Esta está inserida em uma praça bastante arborizada, com canteiros, algumas estátuas em pedra e ferro e bancos de cimento. Entre eucaliptos, palmeiras e árvores nativas, ao centro, observa-se um coreto recém-restaurado, um notável relógio em uma das esquinas e um orelhão público. Ainda no largo, existe o Centro Cultural Embu das Artes que fornece informações turísticas e mapas aos visitantes, e uma base da Polícia Militar que também está instalada na porção sudeste da praça. Foi possível observar 3 bancos e diversos restaurantes e lojas ao redor da praça. Desde o largo é possível avistar a Igreja Matriz e a pequena Capela de São Lázaro, situadas na Rua da Matriz, construções que chamam a atenção pelas linhas da arquitetura jesuítica.

A feira de artesanato ocupa quase todos os quarteirões do Centro Histórico, ao sul do largo, denominado Passeio das Artes. Duas ruas abaixo do largo central, observamos um complexo arquitetônico marcante que engloba a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a residência anexa dos jesuítas e o Museu de Arte Sacra dos Jesuítas. O prédio foi construído no século XVIII pelos padres da Companhia de Jesus e tombada pelo Iphan (Conselho do Patrimônio Histórico Nacional) e pelo Condephaat (Conselho do Patrimônio Histórico Estadual). O conjunto formado pela igreja e convento, separados pela torre sineira, é destituído, em sua parte externa, de ornamentos, o que torna o seu aspecto bastante singelo. Foi bem alí que em 1969 foi criada a Feira de Artes e Artesanato.

A feira conta com cerca de 600 expositores. Foi possível identificar nas barracas: arte em ferro, couro de peixe e couro bovino, crochetaria, mapas antigos, objetos religiosos, bijuterias com talheres, mandalas, bijuterias com pedras, bijuterias em prata, bonecos de pano, brinquedos em madeira, objetos em papel machê, quinquilharias, cerâmica, cobre, porta-retratos em madeira, instrumentos musicais em couro, inscrição em madeira, renda, objetos feitos com troncos de árvores retorcidos, confecções em malha, roupas indianas, roupinhas de bonecas, instrumentos musicais, flores secas, acessórios para cachorros. A diversidade de produtos oferecidos é incrementada junto com as barracas de alimentos, bebidas e comidas artesanais, tais como derivados do mel, barracas de coco, sacolés, amendoim, cocada caseira, doces caseiros, churros, milho, cocada caseira, balas de coco. Além disso, pintores disputam o pouco metro quadrado que lhes sobram para exibir suas telas à óleo, algumas com mais de 2m. Destacam-se pinturas naif, figurativas e com motivos religiosos.

 

Compõe a paisagem das barracas, cachaçarias artesanais, alguns antiquários com móveis antigos que disputam atenção com lojas de decoração com itens modernos, redes e tapetes ao redor da feirinha. Dentro deste cenário colorido, temos também as lojas de movelaria rústica em madeira maciça. A maioria das lojas ocupam casas em estilo colonial. Além das lojas com produtos expostos excedendo seus limites físicos, nota-se uma grande quantidade de bares e restaurantes cujas mesas ocupam boa parte das calçadas.

Ao longo da Rua Siqueira Campos, na parte baixa do Centro Histórico, existe uma grande quantidade de filhotes caninos sendo expostos para venda. Após essa concentração de cães, há a chamada Feira do Verde, isto é, um cinturão verde que ocupa até a Rua Domingos de Pascoal, que comercializa uma variedade de plantas ornamentais, flores, ervas e árvores frutíferas. Os expositores são os próprios produtores e, hoje, depois de Holambra, o município é um dos principais fornecedores de flores e plantas ornamentais negociados na Ceagesp.

Os cheiros e sabores são diversos. Alimentos exalam cheiros fortes que convidam as pessoas a entrarem em fila. O cheiro de carne assada ora se mistura com o doce do churros, da tapioca ou do amendoim doce torrado, conforme a direção da brisa. As sonoridades também tomam conta de toda a feira. De qualquer corredor, se escuta a oralidade dos frequentadores, que tentam levantar a voz para sobressair ao barulho do som vindo dos bares e dos músicos que performam ao vivo. É uma mistura de sons que traz uma agitação intensa à atmosfera daquele lugar. 

O espaço público da feira encanta todos aqueles que passam por ali com sua miscelânea de mercadorias, cores, cheiros, sons e sabores e pelo visto atrai um público diversificado vindo de todo o município e cidades circunvizinhas. Era domingo de sol escaldante e pude notar que  a maioria das pessoas que ali estavam presentes era de certa composição familiar, muitas crianças, adolescentes acompanhados e desacompanhados e pessoas de terceira idade. Crianças faziam fila para tomar um sorvete cremoso de casquinha feito na hora na máquina. Observei muitas mulheres com vestidos coloridos, de salto alto, algumas maquiadas e, ao menos, duas meninas na faixa etária de 6 a 8 anos, também maquiadas, com sombra e batom. Pessoas munidas de telefone celular, mais observavam a tela do aparelho do que o rosto de seus companheiros de passeio. Poucos visitantes interagem com os vendedores das barracas. Vi muita lata de cerveja na mão dos adultos e torres de chopp se destacavam em quase todas as mesas que ocupam as calçadas. Uma grande quantidade de lixo no chão também faz parte deste cenário.

A partir das conversas informais no espaço da feira, foi possível notar que os vendedores provêm de regiões diversas: Itapecerica da Serra, da região do Embu, Barueri, Cotia. Como personagens principais desta observação, temos Moisés, músico peruano que se mudou para o Embu nos anos 90. Ele toca bumbo na banda Nazca que performa músicas ancestrais indígenas do Peru e Bolívia no largo desde 1998. Fala com nostalgia sobre outras épocas vivenciadas na feira. Relata que era muito melhor e que agora os políticos estão acabando com o patrimônio cultural do Embu. Alega que os restaurantes estão tomando a praça e acabando com a feira. Lembra que muitos canteiros e árvores foram podadas para abertura de mais bares. O som alto dos bares e restaurantes tem prejudicado muito o seu trabalho como músico, pois não há como disputar com o sertanejo, que é popular nos dias atuais. Lamenta também o fato de ter muita gente bêbada a partir de certa hora do dia, pessoas usando drogas e depredando esculturas e outras preciosidades do local.

Mari é uma artesã que confecciona bonecas de pano. Mora em Barueri e vende seus produtos online através da loja Elo7, além de expor na feira de artesanato do Embu. Diz que apenas com a venda durante a feira não garante o seu sustento. Relata que poucas pessoas valorizam o trabalho que dá e querem pagar o preço; e lamenta que as vendas tenham caído muito ao longo dos anos. Ela observa que muitas pessoas vêm para Embu para comprar nos inúmeros outlets de roupas que abriram, e acabam passando na feira só para comer e ir embora. Não estão interessados em arte.

Kalu é Cacique da tribo xingu Kalapalu e há dez anos vende artesanatos indígenas na feira. Lembra que o Centro Histórico abrigava ateliês, onde pintores, escultores, forjadores, entalhadores e ourives produziam obras de grande beleza e refinamento, encantando os milhares de turistas que visitavam semanalmente. Hoje, ele observa que os turistas vêm para comer e beber e pouco dão importância para a arte que está sendo exposta. Notou que ao longo dos anos lojas especializadas na venda de antiguidades estão cedendo lugar para bancos e comércio de produtos chineses. Contudo, ele acredita ser sua missão continuar expondo seus artesanatos indígenas como forma de honrar sua ancestralidade, que se instalou na região do Embu e era o povo predominante em outras épocas. 

Marlaine, 52, embuense desde os 4 anos, relata que tem saudades da "feirinha de antigamente". Diz que o ambiente era mais folclórico, mágico, havia ciganas, mais indígenas, tinha circo, roda de capoeira, o rapaz tocando realejo com a companhia do papagaio. Tinha os chilenos cantando ali perto dos banheiros, ouvia-se xequerês, kalimbas e maracá, violinos e havia poetas e aqueles artistas que faziam caricaturas. Tinha um ar de feira hippie. Por falar nisso, era comum ver roupas indianas, colares e brincos indianos por toda parte. Atualmente, é raro encontrar uma pessoa mais estilo hippie, conta. Os artesãos estendiam suas cangas no chão e as pessoas paravam para ficar olhando eles fazerem uma pulseira, um colar ou um objeto de madeira ali mesmo. As barracas eram com as coisas voltadas mais para as crianças, fantasias. As crianças gostavam de fazer fila para a roda gigante. Até os quadros que se vende ela diz que perdeu a qualidade. Ela lamenta que o prefeito tenha repaginado a cidade, mas deixou perder a essência do Embu, do artesanal. Relata que antes tinha menos mercados, bancos, agora está muito comercializado. 

INSIGHTS

Feira de Embu das Artes: do Artesanato ao Industrianato

Fundada em 1969 principalmente pela grande latência de arte proveniente de artistas renomados do século XX que se mudaram para a cidade, a Feira de Embu das Artes tomou grandes proporções e consolidou sua posição de destaque no cenário artístico nacional. No entanto, este passado parece cada vez mais distante, uma vez que, segundo relatos locais, existem pouquíssimos artistas de renome que ainda residem e produzem na região do Embu hoje em dia. Um giro pela feira e depoimentos de vendedores e frequentadores antigos da feira me ajudaram a entender que há uma significativa mudança no cenário das “artes de fazer”, da estética, das formas de sociabilidade, sua ambiência –visual e sonora – e a significância do patrimônio artístico cultural no contexto urbano moderno. 

A tradicional Feira de Artes de Embu que sempre foi reconhecida por uma grande variedade de produtos artesanais, obras de arte, parece que pouco a pouco está sendo substituída pelo “industrianato”. A efervescência cultural de Embu, que desde a década de 60 atraiu um grande número de pessoas interessadas na riqueza histórica do município, potenciais colecionadores e consumidores de móveis e objetos antigos, já me parece um pouco decadente. Em 2021 não se observa mais tanto esta procura e movimento por parte dos fregueses. Pouco notei manifestações que existiam por todos os lados que reforçam a cultura popular, o folclore e a excentricidade do local. Com esta mudança de cenário, pude notar a existência de alguns grupos de resistência, como os músicos da banda Nazca que desde 1998 tentam espalhar a cultura indígena no local. 

Diante deste contexto, a presente observação torna-se relevante na medida em que paira a questão de até quando Embu das Artes conseguirá manter a manifestação artística e cultural que tanto fez seu nome. Se, de fato, há um movimento de depredação deste patrimônio, a possibilidade de nunca mais poder experienciar aquela atmosfera incrível e mágica descrita pelos relatos e que faz parte das memórias da minha infância, me causou certa inquietação. Enfim, seria crucial encontrar uma maneira de salvaguardar as expressões culturais, as tradições e a ancestralidade para que gerações futuras possam ter acesso a este importante legado que conta uma parte importante da história do Brasil. 

 
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